Pastagens do Céu
by
Ruthia
- 14:04
Estas três palavrinhas abrem uma comporta de imagens maravilhosas, de
metáforas paradisíacas, de vales floridos e promessas fartas. Quem pasta estas tenras
ervas? E onde poderá ficar este Éden?
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© Cornel Pufan e a sua visão de Pastagens do Céu
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O vale foi descoberto no século
XVIII por um soldado espanhol que se sentiu fraco perante tão serena beleza:
“…parou maravilhado com o que via: um grande vale cheio de pastagens
verdes, onde ruminava uma manada de veados. Belos carvalhos erguiam-se acima
dos campos daquele lugar de sonho, que era ciosamente protegido dos ventos e
nevoeiros pelas montanhas que o rodeavam” (p. 10)
Diz o mestre, pois foi um dos
Grandes que escreveu esta obra, que Pastagens
do Céu fica na Califórnia. Talvez perto de Salinas, onde o próprio autor viveu;
ou pelo menos perto de Monterey, localidade que menciona amiúde nas suas obras.
John Steinbeck, pois é deste nobilíssimo que falamos, segue a máxima de Tolstoi que um dia disse “canta a tua aldeia e serás
universal”.
Certo é que Steinbeck é um homem
do campo, as suas personagens podem visitar assiduamente Monterey, mas o
escritor não se digna gastar um parágrafo a descrever a sua belíssima costa,
aberta para o Pacífico.
Os habitantes de Pastagens de Céu vivem o ritmo da terra,
da sementeira, da poda e da colheita, do ciclo de secas e chuvas, é neste
contexto de reverência pelo solo que expõem as suas fragilidades e anseios, que
aceitam com alguma placidez a tragédia. Sim, porque existe sempre algo de trágico nas personagens de Steinbeck, como uma
nota dissonante no todo musical.
Nesta obra desfilam os Mustrovic, que ocupam a maldita quinta Batle e nela desaparecem misteriosamente, sem deixar rasto. E o astuto Edward Wicks, que vigia ferozmente a castidade da sua demasiado bela, ainda que mentalmente atrasada, filha.
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© jharrisonphoto.com (vista da costa de Monterey)
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E o atarracado
Tularecito (que significa pequena rã), exímio
escultor e dono de uma força descomunal, que talvez pertença ao povo dos gnomos,
que habitam debaixo do solo e apenas sobem à superfície sob o manto protector
da noite. E o culto Junius Maltby, que se esquece de arar os campos porque o
tempo é curto para as suas leituras e, nesse hiato, o seu filho cresce, entre
farrapos e debates filosóficos.
Ou, finalmente, as manas que agradecem os clientes das suas tortillas, enchiladas e tamales com
favores sexuais, que depois espiam com infindáveis orações à Virgem e a
Santa Rosa.
Com 12 pequenas histórias, este
não é um dos títulos mais importantes de Steinbeck (não tem a dureza e o engajamento
social das míticas Vinhas da Ira),
mas o seu estilo está já definido, com uma simplicidade rural, poética, sempre
explorando as agruras da vida, ainda que num cenário perfeito.
Estou muito feliz com esta
compra, a preço de saldo, porque sei que vou viajar muito com este pequeno livro, lendo-o e relendo-o até
que as suas páginas fiquem brilhantes e gastas.